10 julho 2006

Há meias verdades piores que a censura


Rui Rio - Presidente da Câmara Municipal do Porto

(Artigo publicado no Diário de Notícias de 9 de Julho de 2006)


Na passada semana uma parte substancial da comunicação social divulgou, com o habitual espalhafato, que eu tinha determinado que só proporia apoios financeiros da Câmara do Porto se, quem os recebesse, se comprometesse a não criticar a gestão do Executivo por mim liderado.

Esta falsidade, noticiada com o necessário destaque, era obviamente um pressuposto decisivo para se conseguir induzir nas pessoas o pensamento desejado: “o homem, eleito pela direita, não é democrata e quer a censura”.

E, como sempre, assim foi! Intelectual e politicamente parqueados em torno do mediaticamente correcto, articulistas, jornalistas, habituais clientes de subsídios públicos, gente-que-gosta-de-botar-faladura-para-os-jornais-mesmo-sem-conhecer-o-assunto, prosadores do regime, todos de esferográfica em punho e num exercício intelectual de elevadíssima originalidade, condenaram, sem vacilar, quem tomou uma medida tão ignóbil e primária.

O acusado procurou explicar que não era assim. Falou mais de dez minutos para mais de dez jornalistas. Repetiu à exaustão que o que está em causa é o bom-senso e o respeito mútuo. Que a restrição se confina a não criticar a Câmara apenas no âmbito do que, por ela, é apoiado. Que se aceita a critica em tudo menos naquilo que é objecto de acordo; por ambas as partes assinado. E que as entidades públicas também se têm de dar ao respeito, sob pena de perderem autoridade e credibilidade.

Só que, tal como noutras lamentáveis ocasiões, a explicação do acusado não podia ser divulgada de forma clara. Tinha de ser embrulhada com mais prosa e com títulos sugestivos, porque se fosse publicada linearmente e sem hipocrisia, o consumidor da (des)informação deixaria de pensar que “o homem, eleito pela direita, não é democrata e quer a censura”. Por isso, - seguramente em nome da tal liberdade de imprensa - não deixou de haver quem tivesse tido o indispensável cuidado para não estragar a ideia que já se tinha conseguido instalar nos leitores mais ingénuos.

E a Democracia ?

A informação isenta e independente é um dos pilares da democracia. Sem ela, o cidadão não está em condições de escolher e de acompanhar, com consciência, a governação.

Por isso, e porque esconde factos de relevo para a compreensão global, a censura é inadmissível. Mas a mentira ou a meia verdade ainda é pior do que a censura. Porque se a censura esconde, a mentira manipula e induz o raciocínio do cidadão. Para um democrata, a manipulação é de uma violência inaceitável e, por isso, é repugnante.

Numa ditadura, pior que a censura, é a manipulação dos factos e do pensamento. Por isso, as piores ditaduras não foram exímias na censura, foram-no na manipulação e na mentira.

A manipulação que uma parte substancial da comunicação “social” fez deste assunto municipal é apenas mais um episódio. Para alguns com intenção política. Para outros com intenção comercial. Isoladamente vale pouco - até porque subsídios é coisa que eu quase não dou.

Só que esta perigosa atitude não constitui excepção. Não será ainda a regra. Mas é claramente um fenómeno preocupante que, há muito, se vem alastrando na sociedade portuguesa, e vem minando gravemente o regime que queremos democrático na sua plenitude.

Numa democracia, a comunicação social não pode ser o espaço onde, impunemente, alguns podem dizer o que querem sobre quem querem – usando meias verdades e enganando as pessoas, sem que estas tenham acesso à reposição da verdade. Elegendo alvos a abater, sem que estes tenham armas idênticas para se defenderem. Publicando mentiras em primeira página, e desmentidos (quando publicados) em letra pequena e em página secundária.

Porque estamos perante um pilar do regime, não devemos permitir que se continue a actuar com laivos de totalitarismo e sem respeito por valores fundamentais da democracia.

Ao se persistir em não tomar medidas, uma de duas coisas terá de acontecer. Ou os cidadãos compram cada vez menos jornais e consomem cada vez menos informação, porque perdem a confiança. Ou o poder é entregue, em larga escala, à minoria que tem nas mãos o poder para manipular a “verdade oficial”.
A evolução tem ido mais no sentido da primeira hipótese do que da segunda, mas, seja ela qual for, será sempre dramática para a democracia.

Vai, por isso, sendo tempo que, em vez de se preocupar em excesso com a sua própria relação com os média, a maioria dos políticos, com responsabilidades nesta matéria, tivesse a coragem de defender a democracia e a liberdade, aprovando medidas legislativas adequadas a uma democracia adulta e responsável.