27 julho 2006

O triunfo dos porcos?


Joclécio Azevedo - Coreógrafo, director artístico do Núcleo de Experimentação Coreográfica - Porto

Notícia a que se refere: Rivoli e Rosa Mota vão ter novo modelo de gestão


Escrevo não só como artista, mas como cidadão residente no Porto, ou deveria dizer antes "resistente" no Porto. Escrevo como alguém profundamente incomodado e preocupado com a total falta de visão, de articulação e de colaboração evidenciados pelo actual executivo da CMP que tem exercido impune e solenemente uma política de indiferença e agressão pela dimensão cultural e artística da cidade, e que, tendo já se arrastado por vários anos, já causou um prejuízo avultado à dinâmica cultural e ousaria mesmo dizer, à qualidade de vida nesta cidade.Sim, porque uma cidade não é feita só de monumentos, de paredes e de fachadas, mas também de laços, de ligações, de tradições, de conexões, de tramas, enfim, de muitas coisas grandes e pequenas, às vezes aparentemente insignificantes, mas que no fundo dão forma, gosto e sentido à vida, sem que uma coisa necessariamente exclua a outra.É esta dimensão humana, ligada à experiência de habitar uma cidade, que tem sido persistentemente negligenciada em prol de uma visão economicista, populista e saloia. Uma visão que teima em tentar implantar a ideia de que qualquer investimento na área cultural é "subtraído" a outras áreas essenciais. Nada mais falso, nada mais ignorante. Tal afirmação só denuncia a total incompetência e falta de visão estratégica na gestão cultural desta cidade. Sim, incompetência não apenas em áreas específicas como a da cultura, mas na política no seu todo. É um ataque sistemático à nossa inteligência. Não consigo imaginar a minha vida se tivesse de optar todos os dias entre comer, vestir, comprar um livro, tomar banho ou ir ao cinema, sabendo de antemão que uma escolha impediria a priori a realização de qualquer outra. A desresponsabilização anunciada por esta proposta de alienação da gestão cultural de dois dos mais importantes equipamentos da cidade parece ser apenas mais um capítulo de uma telenovela de mau gosto e baixo orçamento. O pior é que quem escreve o argumento foi democraticamente eleito.