22 fevereiro 2008

Jornal no semáforo


António Feio - Arquitecto - Porto

Tema a que se refere: Distribuição de jornais nos semáforos


Antes de mais, quero esclarecer que não sou objectivamente contra os Jornais de distribuição gratuita. Neste texto, quero manifestar-me apenas contra o novo método de distribuição IMPINGIDA, que nada tem em comum com o conceito de distribuição gratuita dos referidos Jornais.
Para fundamentar a minha indignação, convém um pouco de história dos Semáforos. Sobre essa história recente, posso dizer que ainda me lembro de ver manifestações a exigir semáforos na Fonte da Moura, na Avenida da Boavista, no Porto. Na altura, o problema eram os carros que desciam disparados Boavista abaixo e atropelavam “peões”, quase sempre crianças, que iam a pé para as escolas das redondezas. Sim, porque antigamente os pais ainda não eram mal vistos por deixar os filhos caminhar até à escola.

Lá conseguiram, os manifestantes, que fossem plantados semáforos na Fonte da Moura e em todos os “cruzamentos perigosos” das avenidas das cidades.
Instalados os semáforos, todo um novo mercado surgiu a eles associado.
E começaram a aparecer droguinhas a pedir para a sopa, depois Romenas com bebés moribundos ao colo. Nas Primaveras, ou quando o calor começa a apertar, entram os Bombeiros Voluntários a pedir para a nova Ambulância... Ainda apareceram alguns miúdos com esponjas e pouca água para lavar os vidros, mas esses não tiveram hipóteses nenhumas porque “...se tocas no meu carro com essa água mato-te!”.
O aguçado sentido de posse e o amor louco que os automobilistas têm aos seus carros, rapidamente demonstrou que não há crescimento para o negócio de limpa-vidros-de-semáforo.

Agora chegaram os Jornais gratuitos. Numa primeira reflexão optimista pensei... “ok, é só para começar o negócio, para habituar os leitores ao novo conceito". Pensei mesmo que a romaria só iria durar uma semanita. Mas não. Enganei-me. Estão para ficar e cada vez mais prósperos. Já tem balões e Bandeiras nos dias de melhor vigor publicitário.

Será possível que ninguém sinta a famosa “road-rage” quando um carro pára com o semáforo verde, só para apanhar o jornal? Ninguém sente “road-rage” quando o carro da linha da frente não arranca porque está a acabar de ler o parágrafo da publicidade ao crédito por telefone...? Serei o único chocado, com o pequeno-almoço a dar voltas no estômago apertado?

Excelentíssimos Senhores Condutores Leitores, há ali gente com trabalho que não tem uma ponta de dignidade!
Para quê apontar o dedo aos governantes tiranos do Oriente e da América do Sul quando aqui mesmo há gente a trabalhar em condições miseráveis?
Ou será que são muito bem pagos pela actividade de “desgaste rápido” que desenvolvem? EU NÃO SEI! Alguém me pode dizer quanto ganha um distribuidor de Jornais-de-semáforo?
Quem é que paga a desgraça se um deles levar com um carro em cima?...Porque é uma questão de tempo! Eles vão começar a morrer atropelados! Eles ganham para compensar os gases de escape que respiram, que é provavelmente pior que fumar dois maços por dia? Há um sindicato dos entrega-jornais-gratuitos-pela-frincha-da-janela-do-carro-em-andamento?

E ainda, umas perguntas menos altruístas:
De quem é a culpa se o leitor-do-carro-da-frente estanca com o semáforo verde e eu lhe acerto na traseira?
De quem é a culpa se, de mota, atropelar um destes trabalhadores entre filas de carros?
Onde está a Esquerda Socialista? Onde estão os Sindicalistas a proteger os trabalhadores? Onde está a Segurança no Trabalho, a Segurança Social, a ASAE? Onde está a Igreja a pregar a igualdade entre Irmãos? Onde está o Clube de Jornalistas? Não pergunto onde está a polícia de trânsito. Onde está a polícia municipal? Sim, porque não me acredito que a CMP tenha viabilizado tal actividade de publicidade desenfreada e ocupação anárquica da via pública.

Excelentíssimos Senhores Doutores Directores dos Jornais de Distribuição gratuita, será que ainda não percebem que o semáforo é o espaço dos desgraçados? Querem mesmo ter a vossa Imagem associada ao contexto do mercado-de-semáforo? Não será uma má aposta de marketing num conceito de media que está tentar entrar na sociedade de consumo portuguesa?
O que é que é necessário para isto acabar? Um abaixo-assinado? Quantas assinaturas? Entregam-se onde?Alguém quer assinar abaixo...